Na sociedade contemporânea, somos atingidos fortemente pelos meios de comunicação, a televisão nestes últimos cinqüenta anos tornou-se uma espécie de máquina que dita às normas e os costumes vigentes. Deixamos que isto viesse ocorrer, e porque nos colocamos num plano crítico mediano, não percebemos o seu poder de manipulação, que tem levado as massas, impulsionadas pelo senso comum, a andarem numa mesma direção, ou seja, para o abismo da ignorância e da ausência de discernimento entre aquilo que é certo ou errado, bom ou mal. Não pensar virou mania nacional, aquele sentimentalismo nacionalista, ficou somente em nossas lembranças, mas para criarmos os nossos próprios conceitos, sabemos que precisamos de um conhecimento aprofundado, do mundo ao qual pertencemos. Tal como ocorreu na fundação da nossa literatura brasileira, o índio, o escravo negro, o sujeito dos pampas, o nordestino e o caipira, forneceram as cores desta nova pátria que estava surgindo pelas letras dos nossos grandes autores nacionalistas, tais como, José de Alencar, e não devemos nunca deixar de citar, este grande mestre brasileiro, Machado de Assis.
Lendo e revisando “Entre Louvores e Amores” pude observar estas cores e particularidades, e nas pinturas dos personagens, todos os sujeitos que expressam estas peculiaridades do nosso país, que ajudaram a fundamentar a nossa literatura, tais como, os retirantes em busca de nova vida em São Paulo, e a presença dos cariocas que escolheram a cidade como a sua própria casa.
Também já era de se esperar que o autor, Oscar Henrique Cardoso, jornalista com larga experiência como repórter e radialista e mais recentemente, escritor, conseguiria desvendar todas estas faces, evidenciando- as numa trama onde os dilemas humanos não estão distintos, pelo contrário, eles se fundem e de uma maneira muito solidificada, na vida de cada um dos seus personagens.
Também existe uma clara preocupação com os aspectos morais e éticos que pontuam a cultura Judaico-Cristã-cidental, traduzidas a nós nos livros que compõem a Bíblia Sagrada, mais especificamente ilustradas no livro do profeta Samuel. Dentro de uma perspectiva paulistana, o autor transpõe como uma tarefa a ser cumprida, uma realidade vivida pelo próprio povo judeu, que deixou- se escarnecer por causa dos falsos líderes, nepotistas religiosos, os filhos de Eli, um sacerdote judeu velho e cansado, que cumpriam um sacerdócio de oportunismos, que era presenteado de pai para filho. Neste mesmo perfil enquadra-se o falso pastor João, que aclamou- se sacerdote, tutelando outros espertinhos, e principalmente o seu filho Rafael, visando tão somente obter recursos financeiros pela pregação do evangelho da prosperidade.
Neste ponto é que eu faço uma ligação com a introdução deste texto, pois é na mídia impressa, falada e televisada que estes oportunistas propagam todo o seu descaramento. Ora promovendo o mercantilismo da fé, ora vendendo o sentimentalismo através da catarse e o medo pela ilusão da salvação, estes novos filhos de Eli manipulam a realidade do mundo daqueles que os seguem e fazendo-os perderem completamente as suas identidades e a sua capacidade de julgamento, como se eles fossem verdadeiros magos em frente aos holofotes.
Já por outro lado temos um jovem, Samuel, pronto desde o ventre materno, consagrado ao Senhor, por sua mãe Ana, que depois de haver sido muito humilhada pela sua rival, Penina, a outra esposa de seu marido Elcana, levanta-se com fé e autoridade, e com o auxílio de Deus vence sua condição vergonhosa, no contexto judaico da época, por ser uma mulher estéril e já de avançada idade. Samuel era um desbravador, profeta, educador em estado puro, recebeu a tarefa de organizar um estado em desordem, onde a autoridade dos juízes e suas pesadas leis não foram suficientes para unificar o povo, ao contrário, geraram um caos que culminou na necessidade de se instituir uma monarquia, cujo primeiro rei fora Saul, outro que convém lembrar, foi escolhido e depois rejeitado por Deus, para ceder lugar ao grande rei Davi.
Encontrando respaldo no modo paulistano de ser, e num ritmo frenético, uma escrita nervosa se sobressai entre os eventos descritos, elevando esta obra a um bom gosto estético, bem ao nível das melhores criações narrativas. Mesmo escrito em capítulos, remonta aos velhos folhetins novelísticos, onde se podia ler por encomenda, em porções que vinham encartadas nos grandes periódicos, cuja função principal visava ao entretenimento, e principalmente direcionadas ao universo feminino. Neste contexto, por onde quer que eu improvise algum comentário, sempre estarei me referindo, de alguma forma, ao jornalismo, que está muito claramente, mesmo que mascarado de ficção, demonstrado através do caráter denunciativo que se apresenta no interior do texto. Em toda a sua trajetória os personagens se desenvolvem de forma linear, apresentando quando muito, pequenas variações, como nos casos de Sílvia, Rafael e João, por exemplo, mas que mesmo assim, desde o início da trama, já revelavam os traços de como sucederia o seu futuro.
Com isso o autor consegue manter o leitor fiel ao seu texto, possibilitando, até mesmo, que ele possa torcer, para o sucesso do seu personagem preferido.
Também destaco que nesta narrativa, o autor, não se desdobra somente em torno da licença poética, onde muitos autores, sem ter muito do que falar em suas incursões literárias, confortavelmente nela se debruçam, mas ele vai além deste instrumento, talvez em função da sua área de formação. Andar nas vielas em busca de informação, enfiar o pé no barro atrás de uma boa notícia ou cruzar os corredores do Congresso, ou dos Ministérios em busca da aprovação de verba para um projeto social, e do Palácio do Planalto, na tentativa de legitimar a posse de uma comunidade quilombola lá do interior de Goiás, certamente incrementam requintes e profundidade, intensidade e leveza, aos escritos deste talentoso escritor.
Vejo nesta obra um lindo trabalho de criação, em que os personagens, se interpelam, estão interligados fisicamente, e quando lhes damos nomes, nós também lhes damos vidas, e estas caras e singularidades personalizadas, certamente, se eternizarão no imaginário de quem os lerá.
PAULO ROGÉRIO CORRÊA DE VARGAS
Professor de Letras, Literatura. É ministro do Evangelho em Esteio, Rio Grande do Sul
Autor do livro: Oscar Cardoso