E conta as consequências
A evidência inquestionável que o transgênero não é nato é a existência de pessoas que acreditam sinceramente que precisam de uma mudança de gênero e depois mudam de opinião e fazem a destransição. O processo traz consequências físicas, emocionais e financeiras
Walt Heyer
Reconstrução das mamas e faloplastia são algumas das cirurgias que os transgêneros podem ter que fazer caso queiram voltar ao gênero biológico
Quando o ativista e performer transgênero Alexis Arquette (antes Robert Arquette) morreu, em 11 de setembro de 2016, aos 47 anos, mal cabiam nos obituários os elogios referidos a ele. Arquette apareceu em filmes como “Pulp Fiction” e “Afinado no Amor” e era uma grande força na luta dos direitos dos transgêneros.
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Mas, apesar de muitas homenagens terem sido feitas a Arquette depois de sua morte, poucos mencionaram a sua decisão de parar de viver como mulher. A reportagem do The Hollywood Reporter mencionou os problemas que Arquette encontrou depois da transição. Claramente, até mesmo transgêneros conhecidos e talentosos que foram aceitos quando escolheram mudar de sexo podem ter problemas ao decidir voltar ao gênero de nascimento. Diz a revista:
“Em 2013, durante várias complicações de saúde, Alexis voltou a se apresentar como homem, contando ao seu amigo Ibrahim que ‘gênero é uma mentira’. Que ‘colocar um vestido não muda nada biologicamente. A cirurgia não muda nada’. Ele disse também que ‘a readequação sexual é fisicamente impossível. Tudo o que se pode fazer é adotar características superficiais, mas a biologia nunca vai mudar’. Ibrahim suspeita que essa percepção tinha uma relação próxima aos tormentos emocionais que Arquette então vivia.”
O processo de abandonar a vida como transgênero e voltar para seu gênero nato é chamado em inglês de destransition (de stransição”, em tradução livre). Como alguém que passou por todos esses processos, eu gostaria que mais pessoas falassem sobre a realidade da vida depois da transição para outro gênero e os motivos pelos quais algumas pessoas decidem voltar para seu gênero de nascimento.
Por que uma pessoa transgênero pode querer “destransicionar”?
Pessoas não nascem transgêneros. A evidência inquestionável que o transgênero não é nato é a existência de pessoas que acreditam sinceramente que precisam de uma mudança de gênero e depois – às vezes vários anos depois – mudam de opinião e voltam. Pessoas que voltaram atrás, como eu, escrevem para mim e me contam suas histórias e lutas. Eles não querem que muitas pessoas saibam quem eles são e o que viveram. Querem viver com calma e escondidos porque estão com vergonha e se sentem arrependidos. Eles não conseguem expor publicamente que a vida como transgênero não funcionou como esperavam. A vergonha, e eu posso dizer isso, é inimaginável.
Como se chega ao ponto de “destransição”?
Baseado somente em sentimentos fortes, um indivíduo transgênero tomará hormônios e passará pela cirurgia de readequação sexual para alinhar a aparência do seu corpo com o gênero que acredita ser verdadeiramente o seu. Eu fiz isso. Pessoas, especialmente jovens, pensam que sentimentos fortes nunca vão mudar, mas eles podem sim mudar ao longo do tempo.
Muitos de nós que passaram por essa “transformação” perceberam tarde demais que não precisávamos de médicos e tratamentos para lidar com nossos problemas. O arrependimento normalmente acontece anos depois, quando percebemos que tentar trocar de gênero não resolveu os problemas que tínhamos antes. Em alguns casos, a transição foi só uma suspensão breve da agonia que sentíamos de ter um gênero biologicamente incorreto.
A história de Dave
Recebi esse relato pessoal por e-mail em agosto de 2016. Esse jovem adulto – vou chamá-lo de Dave – conta sua história, ecoando palavras já faladas por outros indivíduos transgênero ao longo dos anos:
“Eu comecei a transição para mulher no fim da minha adolescência e mudei meu nome logo depois que fiz 20 anos, há quase dez anos. Mas não foi bom para mim; só me senti infeliz como mulher. Falaram que os meus sentimentos como trans são permanentes, imutáveis, entranhados fisicamente no meu cérebro e que nunca mudariam, e que a única maneira que eu encontraria paz seria me transformar em mulher. O problema é que eu não me sinto mais assim. Quando comecei terapia há alguns anos para superar algumas questões da minha infância, minha depressão e ansiedade começaram a diminuir, junto com meus sentimentos trans. Então há dois anos comecei a considerar voltar para meu gênero de nascença, e me senti bem fazendo isso. Eu não tenho dúvidas – quero ser homem!”.
Podemos ver nesse relato o que eu mesmo aprendi na minha vida: os sentimentos transgêneros nem sempre são permanentes, imutáveis e fisicamente entranhados no nosso cérebro. Sentimentos, mesmo os mais fortes, não justificam a ingestão de hormônios e a cirurgia.
Aletasas por médicos há 40 anos, e ainda assim o arrependimento, a infelicidade, o suicídio e a “destransição” continuam. Para mim, assim como para Dave, a psicologia fez o que a cirurgia nunca conseguiu: resolver o desejo de ser algo que biologicamente eu nunca seria. A terapia acabou com meus sentimentos transgêneros.
Quando os produtos falham, as companhias de carro precisam chamar os clientes e pagar pelos consertos. Não é assim com cirurgiões ou psicólogos que popularizaram e permitiram a transição de gênero. Eles escapam das consequências, enquanto ex-transgêneros precisam lidar com a questão financeiramente, emocionalmente, fisicamente e pessoalmente.
“Destransição” física
O processo de destransição física depende de quais passos o indivíduo já fez para alterar sua aparência no processo de transição.
Algumas pessoas que fazem a transição não passam pelas radicais cirurgias de readequação sexual. Um caso é o de Jenner, ex-atleta olímpico. A transição, extremamente pública, para mulher não incluiu a cirurgia, então sua genitália permaneceu masculina. Chaz Bono é outro caso conhecido de transição de mulher para homem, mas os órgãos sexuais de Chaz ainda são femininos.
Mulheres que fazem a transição para homens frequentemente tomam testosterona, o hormônio masculino, que permite o crescimento de barba, músculos de aparência masculina e mudança na proporção do corpo. Elas também passam por mastectomias para retirar as mamas. Já a mudança de órgãos sexuais é feita por uma cirurgia cara e arriscada, e o resultado frequentemente não vale o investimento. As poucas pessoas que passaram por isso e entraram em contato comigo não alteraram os órgãos sexuais.
Os maiores desafios para os transgêneros feminino-masculino que querem “destransicionar” e voltar para o gênero feminino são os tratamentos de eletrólise para remover os pelos faciais, que podem ser caros e dolorosos, e as soluções para lidar com a ausência de seios. Voltar a ser mulher pode ou não incluir implantes mamários. Ao tomar essa decisão, como todas as decisões de “destransição”, o indivíduo deve pensar nos prós e nos contras.
Para homens que fizeram a transição para mulheres com a cirurgia completa, o retorno completo não está mais disponível. Quando desejarem voltar ao gênero masculino, uma opção é um procedimento de faloplastia (a construção do pênis). Mas, na prática, muitos homens que fazem a “destransição” optam por não passar pela cirurgia pelo custo alto e os riscos frequentes. Além disso, o resultado nem sempre se compara à funcionalidade da genitália masculina. Assim, se as estatísticas de “destransição” considerarem apenas aqueles que fizeram a faloplastia cirúrgica, o número deixará de lado a maior parte daqueles que fizeram a “destransição”.
Infelizmente, nem tudo que os cirurgiões fazem para mudar o gênero pode ser desfeito. Partes do corpo que foram sacrificadas, reformuladas ou removidas nunca serão as mesmas novamente.
Como a maioria dos quase 20% de pessoas que alegam ter se arrependido depois da mudança cirúrgica de gênero, primeiro eu precisei entender a verdade: nenhuma cirurgia ou hormônio seria capaz de mudar meu gênero nato e biológico. Só quando percebi que meu gênero – masculino – nunca mudou, mesmo depois da cirurgia, eu comecei o processo de “destransição”.
Motivos para “destransicionar”
Os motivos para procurar a “destransição” são vários. Algumas pessoas voltam para seus sexos natos depois de tentativas de suicídio. Alguns chegam à conclusão que “não era para elas”. Alguns relatam dificuldades de se vestir diariamente como o sexo oposto: isso se torna difícil demais para continuar com a transição. Alguns relatam que perceberam que não eram mulheres de verdade e que nunca seriam. Para outros, os problemas médicos decorrentes da cirurgia provocam a vontade de “destransicionar”.
Comecei a pensar nisso quando aprendi que fatores psicológicos podem fazer com que as pessoas se identifiquem como transgêneros. Abuso sexual infantil é uma das principais causas, mas com frequência existem outros fatores. Estudos mostram que vários transtornos
coexistem entre pessoas transgênero e que outras experiências – que não apenas o abuso sexual – podem causar dificuldades de identidade de gênero.
Meus olhos se abriram quando entrei num Programa de Estudo no fim dos anos 80. O curso incluía aulas de psicologia relevantes para comportamentos destrutivos e vícios. Eu comecei a perceber que a condição transgênero poderia ser um transtorno de desenvolvimento que evoluiu ao longo do tempo, não algo presente no nascimento.
Naquele momento, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM na sigla em inglês) identificava o fenômeno transgênero como um Transtorno de Identidade de Gênero, ou seja, um transtorno psicológico causado pela incompatibilidade de identidade de gênero. Na sua última edição, o DSM removeu a palavra “transtorno” e mudou o termo para Disforia de Gênero.
Mas a mudança do nome não ajudou a reduzir o número de pessoas que se arrependem da transição e tentam se suicidar depois. O novo nome para a mesma condição não descobriu as causas para alguém se identificar como transgênero.
A comunidade médica faz um desserviço à sociedade ao não conseguir melhorar o diagnóstico de transtornos psicológicos que coexistem ao sentimento transgênero e ao não conseguir desenvolver um tratamento que evite cirurgias de readequação sexual desnecessárias.
Os silenciosos
Mudar de sexo é uma tentativa de escapar para um mundo transgênero fabricado cirurgicamente e com hormônios. A minha transição foi o resultado de anos me vestindo como mulher, o que começou nas mãos da minha avó quando eu tinha quatro anos, depois que eu fui molestado pelo meu tio. Uma forte dor psicológica fez com que eu quisesse ser mulher. Ser transgênero era uma forma de me esconder até que eu tive acesso a um tratamento psicológico real. Agora, vinte anos depois da “destransição”, estou vivendo o sonho – casado, estou longe da loucura de uma vida como transgênero.
É importante entender que pessoas de todos os tipos de vida, de todas idades, com ou sem religião, “destransicionam”. Nós que “destransicionamos” somos testemunhas silenciosas, não reconhecidas, da brevidade do indulto.
Fiquei quieto por muito tempo.
É doloroso ver grupos de pessoas tentarem transformar homens e mulheres com uma cirurgia cosmética de readequação sexual. A consequência é, tragicamente, um rastro de vidas quebradas. O que vemos na história de Dave e na minha é que esse grande experimento não se provou eficiente em tratar todas as pessoas com questões de identidade de gênero. Quando alguém diz “sou transgênero” é muito provável que, mais cedo ou mais tarde, chegue o dia que dirá “a vida transgênero não é mais para mim”.
Nós precisamos entender que os sentimentos transgêneros podem mudar e que a “destransição” acontece. A pessoa pode mudar de gênero, mas o gênero biológico permanece.
Walt Heyer é escritor e palestrante. Por meio de livros, do seu site SexChangeRegret.com e seu blog WaltHeyer.com, Heyer quer conscientizar a opinião pública sobre a incidência de arrependimento e as consequências sofridas com a mudança de sexo.
@2018 Public Discourse. Publicada com permissão. Original em inglês.
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