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O que é mecânica quântica?
A mecânica quântica revolucionou nossas noções de energia, matéria e causalidade. O que pensávamos ser partículas não são partículas nem ondas, mas comportam-se ora como uns, ora como outros. A natureza parece ser intrinsecamente indeterminista e só nos é possível prever médias e probabilidades. No entanto, ao nosso redor há inúmeras tecnologias baseadas na mecânica quântica, como computadores, DVDs e CDs.
No final do século XIX, vários fenômenos físicos pareciam não poder ser explicados pela física da época, hoje chamada “física clássica” ou “newtoniana”. Relacionavam-se com a luz, o calor, os átomos etc. Para dar conta desses fenômenos, toda a física newtoniana teve que ser substituída. O resultado foi o que se chama hoje “física moderna”. Inicialmente, ela era constituída pelas teorias da relatividade (especial e geral) e pela mecânica quântica.
A revolução da física moderna foi muito profunda. Conceitos caros como os de espaço, tempo, matéria e causalidade tiveram que ser revistos. Há muitas características importantes da mecânica quântica diferentes da física clássica, mas vou ater-me aqui a apenas quatro, que talvez possam resumir a essência do seu conteúdo:
- a quantização da energia
- o salto quântico
- a dualidade onda-partícula
- o indeterminismo
1. A quantização da energia
Na história da mecânica quântica, esta foi a primeira de suas característica a ser abordada teoricamente. A quantização da energia diz simplesmente que, em certas situações, a energia só pode ter certos valores – digamos, 10, 20 e 30 calorias – estando “proibidos” os valores intermediários.Sabemos hoje que isso acontece em casos onde há partículas “presas”, ou“ligadas” – como os elétrons em um átomo. Elétrons livres podem ter qualquer energia. Veja a figura abaixo:
À esquerda, energias para um elétron livre: todos os valores são permitidos. À direita, energias para um elétron ligado: só alguns valores são permitidos.
O exemplo dado acima, das 10, 20 e 30 calorias, é irreal, porque as diferenças entre os níveis de energia são muito pequenas, próximas das energias típicas de átomos e partículas subatômicas. Por isso, no mundo macroscópico, parece que a energia é sempre contínua, sem valores proibidos. Mas, no mundo atômico e subatômico, a quantização da energia é algo a ser levado em conta sempre.
Além disso, as distâncias entre os diversos níveis não são sempre os mesmos. Dependem da situação. As energias permitidas para um elétron em uma molécula de hidrogênio são diferentes das para um elétron em uma molécula de oxigênio – apesar dos dois elétrons serem idênticos. A diferença entre dois níveis energéticos é chamada quantum. O plural équanta, pois é uma palavra do latim.
Como se chegou a essas conclusões
A origem desse conhecimento está nos estudos de Planck de 1900 sobre a emissão de luz por corpos aquecidos (melhor dizendo, um tipo especial dela, cujo curioso nome técnico é “radiação de corpo negro”). Isso é algo que vemos todos os dias (pense num metal incandescente, como o filamento da lâmpada acesa ao lado), mas o problema que Planck atacou era bastante dramático: feitas as contas com a física clássica, a energia da luz emitida dava infinita! Isso não poderia ser possível – caso contrário, qualquer metalzinho incandescente seria capaz de fritar todo o Universo...
O problema foi resolvido quando Planck supôs que a luz não era emitida continuamente, mas em “pacotes” de energia. Esses quanta de luz vieram, depois, a serem chamados fótons. Mais tarde, mostrou-se que a luz em si era constituída de fótons, e não quando era emitida pelos átomos.
Outras pessoas passaram a aplicar conceitos semelhantes em outros problemas até então insolúveis, como Niels Bohr, que em 1913 fez uma nova teoria sobre a estrutura atômica e mostrou que a energia dos elétrons nos átomos também está quantizada. Posteriormente, mostrou-se que a quantização da energia acontece com qualquer partícula ligada.
Tudo isso é interessante, mas não parece ser suficiente para alterar toda a física clássica. Porém, os desdobramentos da hipótese quântica de Planck foram tremendos e atingiram a física quase toda. Por um quarto de século, os cientistas exploraram esses desdobramentos até que, em 1924, conseguiu-se formular uma teoria quântica completa – não só da luz ou dos átomos, mas uma física nova inteira.
No resto deste texto, mostrarei alguns dos principais desdobramentos da teoria dos quanta e como eles levam a alterações radicais na nossa maneira de ver o mundo. Usarei como guia cinco perguntas que aparecem naturalmente por causa da teoria de Planck.
2. O salto quântico
Primeira pergunta: se há tantos casos em que valores intermediários de energia não são permitidos, como então é possível aumentar a energia de qualquer coisa?
Acontece que ela pode ir de um nível para outro sem passar pelos valores intermediários. Usando nosso exemplo “irreal”, vai de 10 para 20 calorias sem passar por 11, 12, por nenhum deles. A isto se chama salto quântico.
O salto quântico foi estabelecido como hipótese em 1913 por Niel Bohr para os elétrons de um átomo de hidrogênio, mas as previsões de sua teoria conseguiam descrever aspectos da luz emitida por esses átomos que eram inexplicáveis pela física clássica. Mais tarde, mostrou-se que estados ligados em qualquer situação funcionam assim.
A figura abaixo esquematiza um elétron em um átomo que absorve luz. Um exemplo comum acontece no interruptor de luz, que é feito de um material fosforescente – ou seja, que absorve luz, mantém-na durante algum tempo e depois a reemite. Por isso ele parece brilhar no escuro: ele continua reemitindo luz até acabar a que absorvia enquanto o ambiente estava iluminado.
Ora, quando absorvem luz, o que os elétrons absorvem é energia luminosa e, assim, aumentam sua energia. Por isso, o elétron só absorve a luz se o fóton que chegar tiver energia suficiente para que esse elétron possa saltar de um nível energético para outro. Senão, ele não absorve e o fóton passa incólume.
O mesmo acontece quando emite luz: só emite a energia necessária para passar de um nível energético para outro de menor energia. Emite a luz, portanto, em “pacotes”: os fótons que Planck estudou. Nada disso acontecia na física clássica: o elétron poderia absorver ou emitir qualquer quantidade de energia.
3. A dualidade onda-partícula
Segunda pergunta: na época de Planck, já havia uma teoria sobre a luz, que dizia que ela era constituída de ondas. Isso era conhecido desde a virada do século XVIII para o XIX e já havia sido fartamente confirmado por observações cuidadosas. Mas a teoria quântica diz que a energia luminosa se distribui em pequenos pacotes. Comocompatibilizar as duas visões?
Nos anos seguintes à descoberta de Planck, essa pergunta foi adquirindo tons muito mais dramáticos, pois havia indicações de que os fótons se comportavam como partículas de fato! Isso foi cabalmente demonstrado em 1923 por um experimento de Arthur Compton sobre colisões entre fótons e elétrons. Os elétrons eram desviados de suas trajetórias como se tivessem sido atingidos por corpúsculos – como em choques de bolas de bilhar.
Ora, eu disse acima que já se sabia que a luz era constituída de ondas. Agora, eis que essa visão não funciona mais e a suposição de que ela é constituída por um fluxo de partículas é que passa a funcionar... Como pode ser possível? Não faz sentido alguma coisa ser onda e partícula ao mesmo tempo...!
A solução para isso não foi fácil. Hoje sabemos que a luz não é onda nem um fluxo de partículas: ela é alguma outra coisa, que exibe algumas características de um fluxo de partículas em certas situações e de ondas em outras. A esse comportamento dá-se o nome de “dualidade onda-partícula”. Em geral, a luz se comporta como onda enquanto está em trânsito e apresenta características de partículas quando interage com a matéria (como quando é absorvida por átomos).
O site do Wikipedia em espanhol teve uma idéia muito interessante para explicar a dualidade onda-partícula. Ilustrou com a figura abaixo como o mesmo objeto pode se manifestar de uma forma se visto sob um certo ângulo e de outra se visto sob outro ângulo. Um cilindro produz uma sombra quadrada em uma parede e circular na outra. Se vemos só a sombra, parecerá uma contradição: como algo pode ser redondo e quadrado ao mesmo tempo? Não é um círculo nem um quadrado: ele é uma outra entidade (um cilindro), mas que se manifesta como um quadrado ou como um círculo, dependendo da situação. Mas cuidado: isto é apenas uma analogia. Tanto as ondas como as partículas e as entidades “nem-ondas-nem-partículas” estão no espaço tridimensional comum.
Ondas de matéria
Terceira pergunta: Bem, uma coisa que se pensava que era onda, a luz, era uma entidade dual. E quanto às coisas que se pensava que eram partículas, como os elétrons?
Pois bem: logo descobriu-se que essa dualidade era uma característica geral. Todas as “partículas” não são propriamente corpúsculos no sentido tradicional, mas entidades que se comportam como ondas em certas situações e como partículas em outras. Jamais como ambas simultaneamente.
Quanto maior a massa da partícula, mais pronunciado o comportamento de corpúsculo e menos o comportamento de onda. Para um elétron – que é tão pequeno que é um dos constituintes dos átomos – já foi muito difícil detectar seu comportamento ondulatório, observado pela primeira vez em 1927 pelos físicos Clinton Davisson e Lester Germer. Em 1999, conseguiu-se observar fenômenos ondulatórios na molécula de fulereno, que tem 60 átomos de carbono.
Dito assim, pode parecer que a todos os elétrons corresponde uma onda e essa onda seria sempre a mesma. Afinal, todos os elétrons são idênticos. Mas não é assim. O tipo de onda não depende apenas da partícula em si, mas também da situação em que se encontra.
Por exemplo, a freqüência da onda se relaciona com a velocidade do elétron. Elétrons velozes têm ondas associadas com freqüência mais alta que elétrons mais lentos. Num caso mais geral, as ondas associadas às partículas identificam não só a partícula, mas também o estado em que se encontra. Veja a figura abaixo:
Esse significado dessas ondas só foi esclarecido depois que Werner Heisenberg e Erwin Schrödinger conseguiram construir uma teoria “final” da mecânica quântica, em 1924 e 1925, após um quarto de século em que vários grandes físicos tatearam e tentaram construir toda uma nova mecânica a partir de alguns poucos dados experimentais.
Na verdade, foram duas teorias “finais”, uma de cada autor, mas mostrou-se logo que eram equivalentes. Elas foram construídas a partir de um conjunto de suposições físicas e matemáticas que foram parecendo mais plausíveis à medida que foram sendo feitas as pesquisas anteriores. A relação entre onda e estados físicos vem dessa teoria “final”. Atualmente, usa-se uma mistura das duas, e é isso o que se chama hoje de “mecânica quântica”. Ela vem sendo usada para inúmeras situações físicas com enorme sucesso.
O experimento das duas fendas: quando partícula e onda se encontram
Eu disse que a luz e as partículas subatômicas sempre se comportam ou como onda ou como corpúsculo, nunca como ambos ao mesmo tempo. Mas é difícil resistir a imaginar uma situação onde os dois comportamentos se encontram de alguma forma, para ver o que pode acontecer! Seria possível fazer com que os dois comportamentos apareçam na mesma partícula e no mesmo experimento, ainda que em momentos diferentes? O que acontece numa situação dessas?
Isso é possível. Vejamos uma situação assim: o experimento das duas fendas. Neste momento, é melhor falar mais por figuras do que por palavras.
No experimento, joga-se luz sobre um anteparo com duas fendas estreitas, como na figura abaixo. A luz que passa pelos dois orifícios incide sobre uma placa fotográfica. Aqui, uma vela produz a luz, que passa por um primeira fenda num primeiro anteparo para tornar-se mais uniforme (a luz provinda de uma fonte com forma de ponto é mais uniforme que a vinda de um objeto extenso e de formato complicado). Depois, esta luz mais uniforme passa sobre as tais duas fendas.
Bem, então, depois das fendas, temos duas ondas luminosas que se encontram no espaço. Acontece que, quando duas ondas se encontram, elas interferem. Podem somar-se ou cancelar-se, como mostra a figura abaixo:
À esquerda, duas ondas que se encontram se somam e produzem uma onda mais intensa. À direita, as duas ondas se encontram defasadas, de modo que se cancelam.
A interferência que acontece com as ondas depois dos dois orifícios e antes da placa está esquematizada nesta outra figura:
Como se pode ver, em certas regiões, as ondas se somam. Essas regiões aparecem mais claras Em outras, elas se subtraem. Essas aparecem mais escuras O resultado é que, na placa fotográfica, aparecerão faixas claras e escuras, como na figura:
Até aí, tudo bem. Isso é um fenômeno que só acontece com ondas. Acontece que eu disse acima que a luz é composta de pequenos pacotes de energia chamados fótons. Então, quando colocamos um filme fotográfico com sensibilidade suficiente, podemos ver como essas faixas são formadas com o tempo. Veja esta figura, que mostra cinco momentos diferentes da formação dessas faixas:
A coisa extraordinária aqui é que, se as faixas existem, é que houve interferência depois dos dois orifícios – e, assim, a luz comportou-se como onda. Porém, se ela aparece como pontos na placa fotográfica, é que comportou-se de forma localizada, como se fosse corpúsculos! Já existe tecnologia para fazer isso com um fóton de cada vez. O mesmo fóton se comporta como ondas em um momento e como partícula em outro! (Não há contradição porque ele não faz as duas coisas ao mesmo tempo.)
4. O indeterminismo: uma teoria probabilista
Quarta pergunta: Há um paradoxo interessante no experimento das duas fendas. A onda luminosa ocupa umaregião do espaço, como mostrado nas primeiras figuras. Porém, um fóton manifesta-se como um ponto na placa fotográfica, que ocupa uma pequena região do espaço em certo local específico. Se a luz se comportava como onda antes de atingir a placa, o que determinou que ela escolhesse umponto específico para se manifestar como partícula e não um outro qualquer?
Pode-se imaginar que, com a teoria da mecânica quântica, seria possível calcular em que ponto o fóton apareceria. Porém, não é o caso! Não há nenhuma indicação nas equações que permita tal tipo de previsão.
Apesar disso, a teoria prevê médias com grande sucesso, e tambémprobabilidades. Tome-se um conjunto grande de fótons (ou de elétrons ou de prótons etc.) e seu comportamento médio será previsto muito bem pela teoria, ainda que, sobre seus comportamentos individuais, ela só forneça probabilidades.
Isso é bem diferente do que acontece com a física clássica. Se supusermos que um elétron está, em certo momento, viajando no espaço vazio a 100 km/h e também que sua velocidade é constante, então a física clássica nos diz que dali a uma hora ele estará a exatamente 100 quilômetros de distância de onde estava antes. Mas a física quântica não produz afirmações assim. Ela diz algo como: “há probabilidade de 80% de o elétron deverá estar entre 90 e 110 km de onde estava”. Esses números dependem da situação, mas podem acontecer exatamente esses que eu citei.
Essas probabilidades estão diretamente relacionadas com as ondas associadas às partículas. Quando as “ondas-partículas” interagem com a matéria, elas se manifestam (como corpúsculos) mais provavelmente nas regiões onde as ondas são mais intensas. E vice-versa.
Nem todas as ondas quânticas têm forma de "cobrinhas". Acima, as ondas correspondentes ao elétron de um átomo de hidrogênio para diferentes energias deste elétron. Nas partes mais claras é maior a probabilidade de esse elétron ser encontrado, caso alguém decida detectá-lo.
Tudo isso pode não parecer tão estranho, pois, afinal, estamos acostumados com situações onde só conseguimos prever médias. Se jogarmos uma moeda várias vezes, a tendência é cair cara 50% das vezes e coroa 50% das vezes, com alguma variaçãozinha. Não podemos prever, porém, se uma jogada individual produzirá cara ou coroa.
A diferença com a situação quântica é que, no caso da moeda, a teoria – a mecânica clássica – tem instrumentos teóricos para se fazer previsões exatas sobre uma jogada individual. Se soubermos com bastante precisão a velocidade inicial da moeda, a rapidez com que gira, sua posição inicial e a direção inicial do seu movimento, podemos prever com exatidão qual lado sairá para cima. Não podemos na prática porque não conhecemos essas condições iniciais todas com precisão suficiente – e não porque a teoria não contenha instrumentos para fazê-lo.
Tanto que, se alguém jogar a moeda com cuidado, pode fazer com que ela dê duas voltas exatas enquanto cai e, assim, prever se dará cara ou cora – e ganhar desonestamente. Nesse caso, ele foi capaz de fazer uma previsão exata a partir do conhecimento preciso da situação inicial da moeda e da força com que foi jogada.
Já a mecânica quântica não produz resultados exatos nem mesmo quando se sabe com precisão a situação inicial de uma partícula subatômica. Voltando ao exemplo do experimento das duas fendas, com os fótons atingindo a placa fotográfica: a mecânica quântica consegue prever com grande precisão o padrão de listras na placa, mas não onde aparecerá cada ponto que vai formando as listas com o tempo (veja a última figura do experimento das duas fendas).
Deus joga dados?
Quinta pergunta: A coisa extraordinária é que, apesar de a mecânica quântica não ter instrumentos para prever com precisão eventos individuais, ela consegue prever médias e probabilidades com grande precisão! Como isso é possível? Afinal, a teoria está tirando média do que, se ela sequer considera os eventos individuais?
Esta figura esquematiza as faixas feitas de pontos da última figura sobre o experimento das duas fendas mais acima. A mecânica quântica consegue prever a luminosidade das faixas com perfeição, mas não diz nada sobre a posição de cada ponto individual.
Essa situação já era evidente mesmo antes das teorias de Heisenberg e Schrödinger. Por isso, alguns físicos achavam que a mecânica quântica estava incompleta – e que, no futuro, seria descoberto um aperfeiçoamento que lhe daria instrumentos para fazer previsões teóricas de eventos individuais, como a física clássica consegue (em teoria) para jogos de moedas ou de dados. No entanto, a mecânica quântica parecia “saber” antecipadamente que aperfeiçoamento seria esse, pois ela conseguia prever as médias!
O caso era tão grave que não houve consenso. A pequena comunidade de grandes físicos que lutava tateando no escuro para construir uma teoria quântica, na primeira metade do século, cindiu-se.
Um grupo, liderado por Albert Einstein, acreditava que a mecânica quântica estava incompleta. Desse grupo também fazia parte ninguém menos que Erwin Schrödinger, um dos dois autores da forma final da teoria
O outro grupo, liderado por Niels Bohr, achava que a mecânica quântica não podia prever casos individuais porque a natureza era assim. O indeterminismo seria uma característica intrínseca da própria natureza. Foram famosos os debates entre Einstein e Bohr sobre isso, nos anos 1920 e 1930. Ao lado, os dois (Bohr à esquerda) na casa do físico Paul Ehrenfest, na Holanda, em 1925.
Voltando ao experimento das duas fendas, com os fótons aparecendo em pontos específicos da placa fotográfica: a interpretação indeterminista diz que não há modo de se prever em qual ponto da tela o fóton se manifestará, porque a própria natureza se comportava de modointrinsecamente indeterminista nessa “escolha”. Foi ao criticar essas idéias que Einstein cunhou a famosa frase “Deus não joga dados”.
O veredicto
Algumas tentativas de se completar a mecânica quântica foram feitas, mas, em 1965, John Bell descobriu um teorema muito geral que praticamente destruiu as possibilidades da recuperação do determinismo! A partir da análise teórica de um experimento simples com duas partículas distantes, ele mostrou que qualquer teoria que:
- reproduza os resultados da mecânica quântica (isso é necessário, pois a quântica concorda com as observações) e que
- pretenda recuperar o determinismo
deverá necessariamente envolver velocidades infinitas. Acontece que velocidades infinitas contradizem a teoria da relatividade especial, que está bem fundamentada e foi fartamente verificada em laboratórios.
Mesmo assim, Bell incluiu no seu teorema um teste experimental que serviria de tira-teima, baseado na mesma experiência com duas partículas. Ironicamente, essa experiência foi imaginada por Einstein em 1935 (junto com Podolski e Rosen) para provar que a mecânica quântica, como estava formulada, levava a consequências filosoficamente inaceitáveis. Bem, a partir de 1981, com o trabalho de Alain Aspect, conseguiu-se realizar esse experimento e o tira-teima foi... favorável ao indeterminismo quântico!
Ao que tudo indica, parece que a natureza é mesmo indeterminista. Mas isso não implica em que qualquer coisa possa acontecer. No mundo cotidiano, como há enorme quantidade de partículas, as médias quânticas são indistinguíveis das certezas previstas pela física clássica – da mesma forma que, se uma moeda é jogada para o alto cada vez mais vezes, podemos prever com cada vez mais certeza de que o número de caras será exatamente 50% do total. Mas, para situações que envolvam o comportamento de átomos, moléculas e partículas subatômicas, a mecânica quântica consegue fazer previsões mais precisas que a física clássica! (Lembre-se do sucesso da teoria de Planck.)
O quantum ao nosso redor
Tudo isso pode parecer muito “estratosférico”. Afinal, átomos e partículas subatômicas são muito pequenas e, no mundo real, e superposições quânticas são inobserváveis em objetos macroscópicos...
No entanto, muitos fenômenos físicos importantes para a tecnologia moderna envolvem o comportamento dos átomos e, assim, são afetados pelos fenômenos quânticos descobertos a partir de 1900. Correntes elétricas, por exemplo. Foi com a teoria quântica que John Bardeen, Walter Brattain e William Shockley inventaram o transistor em 1947. Esse dispositivo causou uma revolução na eletrônica e permitiu o aparecimento dos microcomputadores modernos. Tudo que usa chip, de telefones celulares a registros eletrônicos em contra-capas de livros, baseiam-se na teoria quântica.
Os lasers também são explicados e projetados com base nessa teoria – logo, sempre que usamos um CD, um DVD ou um blu-ray, estamos usando tecnologia projetada com base quântica. O mesmo para as usinas nucleares (que usam a quântica junto com a relatividade), tecnologias que usam materiais que emitem calor e luz, como resistências elétricas e filamentos de lâmpadas incandescentes (usam a fórmula de Planck para radiação térmica), e também células fotoelétricas e lâmpadas fluorescentes. Além disso, a teoria quântica é usada para explicar o funcionamento do Sol, para determinar a composição química das estrelas distantes a partir de sua luz e muitas outras coisas. Enquanto isso, novas tecnologias estão sendo nascendo, como o computador quântico.
Com o advento da tecnologia moderna, a humanidade passou a viver num mundo cercado de manifestações dos quanta.
A física se move
Se todas as partículas exibem fenômeno quânticos, então toda a física teve que ser alterada. Assim, além de uma mecânica quântica, existe hoje um a teoria quântica da eletricidade, do magnetismo, das forças nucleares e assim por diante. Mas isto ainda não terminou. Não existe ainda uma teoria quântica da gravidade. Esta é uma das principais fronteiras da física teórica atualmente. Há apenas algumas teorias hipotéticas (como a das supercordas), esperando pelos testes experimentais em laboratório. Uma das coisas que o famoso acelerador de partículas em Genebra, o LHC, deverá fazer é ajudar a testar essas teorias. Dificilmente haverá um teste tira-teima, pois isto exigiria um aparelho muitíssimo maior. Mas, se tivermos sorte, poderemos avançar muito neste conhecimento.
Um dos detectores de partículas do LHC. Repare o tamanho do homem perto dele.
Para saber mais - O livro de John Gribbin, "Fique por dentro da física moderna", contém informações muito acessíveis e didáticas sobre a mecânica quântica e o resto da física moderna (e um pouco de física clássica, também). Muito bom.
Resumo
- A quantização da energia diz que a energia não é sempre contínua; há casos em que apenas alguns valores específicos são permitidos.
- Para passar de um nível permitido para outro, a partícula não pode passar pelas energias intermediárias, "proibidas", então deve dar um "salto quântico".
- Partículas (incluindo fótons de luz) têm comportamento dual: comportam-se como ondas enquanto estão transitando pelo espaço, mas podem comportar-se como corpúsculos quando interagem com a matéria.
- A mecânica quântica é indeterminista: só prevê probabilidade e médias, não tendo instrumentos teóricos para fazer previsões precisas sobre eventos individuais.
- Alguns cientistas, como Albert Einstein, acreditavam que o determinismo poderia ser recuperado se se completasse a mecânica quântica de alguma forma. O teorema de Bell, entretanto, sepultou essas esperanças.
- Muitas tecnologias modernas estão baseadas na mecânica quântica, dos chips aos lasers.
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